VIII OS PONTOS 6, 7 e 8 DA LINHA DA ESTÉTICA.
E seguiram-se outras mulheres pintoras na transição do Maneirismo para o Barroco (1600/1750). Lavínia Fontana (1552/1614): a primeira pintora a ganhar fama internacional e a abrir caminho na Arte a outras mulheres. Sofonisba Anguissola (1532/1620) depois de 1569 e de Catharina van Hemessen foi pintora oficial da corte do rei Filipe II de Espanha. O Barroco retornou ao acrítico clássico da Renascença acrescido da exuberância ornamental acrítica (que cresceu para o Rococó (1720/1750?) do Barroco tardio e do positivismo pleno das mulheres na Arte, como Artemísia Lomi (1593/1653) e Josefa de Óbidos (1630/1684). O ponto número 6 da linha da Estética ocorreu com o Barroco em 1600 pela inclusão definitiva das mulheres na Arte uma vez que o seu estilo acrítico foi díspar da linha da Estética.
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O ponto número 7 da linha da Estética ocorreu em 1750, na entrada no Neoclássico (1750/1848) quando Alexander Baumgarten: 1) elevou a Estética Sensível a Estética Disciplinar ; 2) separou a Estética (da Arte), uma só, das estéticas (dos gostos individuais e dos ofícios), uma infinidade; tentou separar a Arte da não-Arte; e quis regular o mercado da Arte. Baumgarten quis racionalizar a Arte no seguimento do racionalismo iluminista vindo de 1637, da publicação do Discurso sobre o Método, de René Descartes. A arte neoclássica foi uma negação do exagero ornamental do Barroco e da sensualidade do Rococó, do hábil, distinto do sensorial da Estética. Essa negação ao acrítico artístico foi uma crítica à Arte exigindo o clássico na carência da inovação plástica. O Neoclássico foi imenso da crítica filosófica, científica e social do iluminismo: como que não coube nele uma transformação plástica da Arte e retrocedeu ao clássico. Pouco antes de 1750, em 1748 e 1738, arqueólogos descobriram as ruínas de Herculano e Pompeia: o que empolgou ao iluminismo académico, científico e experimental, ao interesse pelo clássico antigo e à negação do Rococó do Barroco. O Barroco, entre 1600 e 1750, foi nulo no andamento da Estética depois das críticas ao religioso de Tintoretto e Caravaggio, Porque o Barroco e o Rococó exageraram na acrítica do hábil na exuberância de pormenores e na delicadeza, e graça, das composições clássicas. A importância do Barroco resumiu-se na entrada das mulheres na Arte. No período Neoclássico ocorreram três transformações fundamentais à evolução social associadas ao pensamento crítico iluminista: a Queda da Bastilha em 1789; a revolução francesa (1789/1799); e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789). Acontecimentos da evolução intelectual vinda desde Thomas Hobbes (1588/1679), que ofuscaram a evolução da Arte e da Estética fora das ideias de Baumgarten. (7)
À carência ideológica da Arte, no Barroco e no Neoclássico, opôs-se a riqueza intelectual do iluminismo que aproximou as sociedades arbitrárias às modernas pelo Contrato Social. Thomas Hobbes defendeu que a paz social advém da paz natural imposta pelo Estado. Ao Estado, soberano, caberia impor a ordem social que, sem ele, cairia numa selvajaria oposta à natural. Para Hobbes o Contrato Social resultaria do poder do monarca sobre os súbditos que obedeceriam à lei favorável ao todo. John Locke (1632/1704) defendeu que a sociedade humana é uma sequência da sociedade natural e não pode isolar-se dela: tal como defendeu Hobbes. Mas para Locke a soberania do Estado, dominada por um homem distinto do natural que aspira ao artificial, conduziria ao poder absoluto e à tirania de um sobre os outros em vez da paz do todo. Por isso defendeu a criação do Estado e da Magistratura: e a separação do poder executivo, do Estado, do legislativo, do magistrado. Para Locke o Contrato Social partiria do equilíbrio do poder repartido na soberania dos dois órgãos em direção do equilíbrio social. Para Jean-Jacques Rousseau (1772/1778) o homem nasce livre e em toda a parte vive aprisionado: defendeu, tal como Hobbes e Locke, que a sociedade humana parte da sociedade natural. O Contrato Social de Rousseau é entre dois indivíduos, individuais ou coletivos, não favorecendo nenhum deles em detrimento do outro porque foi assinado por ambos. A ideia do contrato social evoluiu do absolutismo de Hobbes para o liberalismo de Locke e o democrático, das sociedades ditas modernas, de Rousseau. O Contrato Social de Rousseau foi publicado em 1762, seguinte a Estética de Baumgartem e à origem do Romantismo,
Todos os períodos históricos estão associados a transformações ideológicas, políticas, sociais e artísticas e Estética, de Baumgarten, coincidiu com a origem do Neoclássico: mas nenhum dos artigos que li associou a Estética de Baumgarten à origem do período Neoclássico. Mas as exigências de classificação da Obra de Arte, de tornar a Arte uma área académica e de separar a Estética das estéticas foram do tempo seguinte, do Neoclássico, com uma nova disciplina, a Estética, nas academias de Belas Artes. As regulamentações colocadas pelo filósofo alemão na Arte não regulada anteriormente foram, embora indiretamente, uma crítica cruzada: à arte vigente, o Rococó, e à arte neoclássica, o clássico trazido para o seu período, entre 1750 e 1815 da origem do Romantismo. Também que em 1750 as ideias excediam a crítica ao religioso indo à crítica à desigualdade que levou à Revolução Francesa em 1789. Essa transformação, que do acomodado foi ao ativismo, ocorreu porque o humanismo seguinte a 1350, por mais de 400 anos, seguiu mais desigual e desumano pelos poderes absolutos das entidades católicas e dos príncipes.
Em 1350, com o Renascimento, nasceu o humanismo: na negação do fatalismo de Aristóteles e da ilusão religiosa; e opondo-se à desigualdade arbitrária da era medieval. O Renascimento foi a origem da esperança para o homem coletivo contra o poder tirânico das entidades Igreja e Monarquia. Foi o renascer da Civilização contra a barbárie vinda da Barbárie que terminara com a origem da Escrita e da Civilização cerca de 7350 anos antes. Mas 1415, com a chegada a Ceuta dos navegadores portugueses e os descobrimentos, deu-se a origem duma escravatura muito mais tirânica que a anterior. A aventura naval de Portugal pelo rei Dom João I visava a expansão territorial e comercial e mais riqueza; mas os líderes católicos, ditadores das leis, viram nas descobertas a oportunidade de ampliação do seu poder económico, social e religioso: em 1452 o papa Nicolau V deu poder a Dom Afonso V de Portugal, e seus sucessores, a conquistar e apoderar-se das terras dos infiéis, pagãos inimigos de Cristo, e a escravizá-los. A igreja católica, e o cristianismo, criou uma barbárie muito mais bárbara que a Barbárie: no tempo do humanismo renascentista que atingiu a saturação no Iluminismo. Em 1231 o papa Gregório IX declarou a pena de morte para os hereges. Ao legalizar a escravatura dos nativos pelos colonizadores o papa ampliou a escravatura imposta pela inquisição desde 1022 nos países católicos. A tortura sofisticada, diabólica, e a morte na fogueira, em ritual público e satânico, foram instrumentos vulgares da igreja cristã medieval e seguinte. A inquisição em Portugal foi instituída em 1536: já no tempo humanista do Renascimento; e terminou em 1821: no período Romântico. A besta religiosa agiu durante quatro longos períodos: o Bizantino, o Renascimento (com o Maneirismo), o Barroco (com o Rococó) e o Neoclássico, o primeiro primitivo e os outros três humanista. Em 1761, no período Neoclássico, o rei Dom Sebastião decretou a libertação de todos os escravos que desembarcassem em Portugal continental; em 1865 Abraham Lincoln decretou a abolição da escravatura nos EUA: uma data do período Neoclássico e outra do período Romântico, a primeira do tempo iluminista e a segunda depois dele. A escravatura vinda dos tempos medievais prosseguiu nos períodos humanista e iluminista. Em 1781 o navio britânico Zong lançou para o mar de Caribe 132 escravos negros: esse acontecimento originou a pintura Navio Negreiro de William Turner, de 1840: 1781 iluminista, crítico da escravatura, e 1840 romântico, dos ideais de liberdade. A desigualdade arbitrária, o poder tirânico e a barbárie sofisticada pela tortura e a guerra, sob a égide das monarquias e da igreja católica, foi transversal a 1821-1350=471 anos humanistas: em 1789, com a Queda da Bastilha, iniciou-se a Revolução Francesa, que terminou em 1799 com o Golpe do 18 do Brumário, dirigido por Napoleão: imperador bárbaro, absolutista, não iluminista: das invasões napoleónicas, da guerra. 1789 foi o fim da monarquia absolutista de Luis XVI e a origem da queda das monarquias na Europa. A Revolução Francesa nasceu do descontentamento das massas e inspirou-se nas ideias iluministas negadas, de forma bárbara, por Napoleão. O Iluminismo foi um período extremamente conturbado em termos ideológicos e em convulsões sociais que não deu espaço à inovação artística. Mas dele, na origem do segmento final, o Neoclássico, surgiu a Estética como disciplina da Arte e a crítica intelectual à desigualdade, à maldade da Natureza Humana e à guerra, que marcaram a Arte do período seguinte, o Romantismo.
O Romantisto tomou do Iluminismo e do Humanismo a linha libertadora do homem face ao domínio absoluto das monarquias e da igreja católica (combatido por filósofos como Voltaire (1694/1778) e Montesquieu (1689/1755)) senhores dos outros e da guerra, vindos dos tempos medievais. O encanto da pintura A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix (1798/1863), de 1830, quando da queda da monarquia totalitária de Carlos X, como que representa o idealismo da Arte tomado do idealismo, revolucionário, ou libertador, do Iluminismo. Na Arte surgiram a manifestação explícita contra a guerra por Francisco de Goya e a Natureza, como plano principal na Pintura quando antes era secundário, de John Constable (1776/1837) depois dos céus tempestuosos, naturais e dominantes, de William Turner (1775/1851). A negação da guerra e o elogio da Natureza sobre a Natureza Humana marcaram, em 1815, do Romantismo, o ponto número 8 da linha da Estética: porque o domínio da Natureza sobre a Natureza Humana, ou do natural sobre o artificial, seguiram para a Arte Moderna. (8)
Os Fusilamentos do 3 de Maio de 1808, de Goya, foi pintado em 1814: no limite final do Neoclássico pré-Romântico (1750/1815) e no fim da era napoleónica. Dos 600000 soldados que invadiram a Rússia em 1812 só cerca de 30000 voltaram a França em 1914, da derrota e exílio de Napoleão na ilha de Elba. Fugindo do exílio e retomando o governo de França o imperador reagrupou outro exército que foi dizimado na Batalha de Waterloo, em 1815, pelas tropas inglesas e prussianas. Os Fuzilamentos do 3 de maio de 1808 retratam a brutalidade da execução de um grupo de espanhóis por um pelotão francês na Espanha ocupada por Napoleão. Antes desse quadro, entre 1808 e 1814, Goya pintou as 82 gravuras Os Desastres da Guerra sobre o sofrimento, a fome e a miséria a que os invasores submeteram os espanhóis. Nas gravuras são comuns montes de cadáveres, crianças e mulheres mortas, corpos mutilados e execuções bárbaras de cidadãos indefesos. Na gravura número 5: uma mulher com um pau e com um filho num braço enfrenta, num motim, os soldados munidos de sabres e espingardas; outra mulher eleva um pedregulho como arma de arremesso contra o inimigo; no chão, coberto de cadáveres, uma mulher moribunda eleva a cabeça e os olhos ao céu. Expulso José I Bonaparte (irmão de Napoleão) do trono espanhol em 1814 sucedeu-lhe Fernando VII que não favoreceu o povo perseguindo os rebeldes aos invasores expulsos e os que tinham ideias iluministas. As 14 Pinturas Negras, murais pintados na Casa del Surdo, retratam figuras famintas, infelizes, tristes e transfiguradas em ambientes obsessivos: aterrorizadas pelo rei espanhol depois do rei invasor. Depois da brutalidade das tropas napoleónicas as Pinturas Negras tratam a brutalidade de Fernando VII contra os iluministas depois de 1804, do fim do Iluminismo pela morte de Emanuel Kant do Ousar Pensar: quando a gravura número 5 é do Ousar Resistir; quando Hobbes, defendendo o governo totalitário, admitira a legitimidade da insurreição contra ele
Antes de 1815, entre 1810 e 1814, Goya produziu as 82 gravuras Os Desastres da Guerra. Depois de 1815, entre 1819 e 1823, no tempo romântico, executou os 14 murais chamados Pinturas Negras. Todas essas obras, 1+82+14=97, são contra a guerra e opostas à glorificação dos heróis da pintura clássica. Antes de Sócrates (século IV antes da era cristã) a escola grega, acessível exclusivamente aos rapazes das elites, era do elogio dos heróis da guerra, centrado na Odisseia e na Ilíada, de Homero. Contra isso o filósofo defendeu o ensino livre, para todos, na rua, não épico, e foi condenado e executado por isso: mas as suas ideias ficaram para sempre: e o Renascimento foi o renascer das ideias livres, adormecidas, da Grécia antiga de Sócrates. O Humanismo foi o diluir dos direitos do herói para os direitos dos não-heróis; e o Iluminismo foi a negação do herói e, automaticamente, da guerra (o soberano, do Contrato Social de Hobbes, era dotado do poder absoluto, mas não absolutista, do Estado: para exercer as leis comuns e não para subjugar a comunidade a elas). Na pintura clássica, o rei, na frente da batalha, quase sempre protegido por uma luz divina, era o herói negado por Sócrates 19 séculos antes; na pintura romântica e iluminista, de Goya e de Delacroix, nega-se, a favor do povo, a guerra dos heróis. O ponto 8 da Estética, em 1815, da entrada no Romantismo, marca a crítica ao herói e o elogio da Natureza que se vinha desenhando, a pouco e pouco, havia muito.
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Na literatura renascentista tivemos Luís de Camões (F. 1580) e Miguel de Cervantes (1547/1616): Os Lusíadas, o poema mais belo já escrito, e Dom Quixote de la Mancha: os Lusíadas é da beleza verbal, da epopeia, do culto do herói, e Dom Quixote de la Mancha é da crítica humanista, da negação do épico, do Belo. Na Pintura Diego Velasquez (1599/1660) pintou As Meninas em 1656, já no tempo iluminista, onde o rei e a rainha figuram num plano recuado: porque é um espelho que denuncia a sua presença. É o contrário do quadro épico: o herói não está no primeiro plano, nem no segundo, mas no terceiro: o herói baixou ao humanismo comum. A figura central do quadro é a infanta Margarida: mas o quadro chama-se As Meninas em vez de A Menina. Como ao lado de Margarida estão duas raparigas, suas damas de companhia, As Meninas refere-se às três: numa diluição humanista entre crianças socialmente muito distintas. Velasquez, ousadamente, está representado no segundo plano, superior ao do rei. Mas antes de Velasquez, em 1434 e em pleno Renascimento humanista (?), Jan Van Eick (1396/1441) pintou o Casal Arnolfini incluindo-se na composição, no pequeno espelho ao fundo. Arnolfini era um Médicis, da alta nobreza romana, e a Infanta margarida era filha do rei: a ousadia da elevação do artista, enquanto a descida do príncipe, cresceu de Van Eick para Velasquez e do Humanismo para o Iluminismo na aproximação ao Romantismo e ao Moderno.
Os Desastres da Guerra e as Pinturas Negras de Francisco de Goya desobedecem à perfeição e nitidez clássicas: sugerem a continuação da abstração figurativa iniciada com Tintoretto no tempo maneirista e que eleva a subjetividade, da expressão e do sensível, à objetividade, do visual e do hábil, da Arte Moderna nascida em 1848. Ao ilustrar o fusilamento Francisco de Goya negou o fusilamento: foi o oposto do clássico decorativo e do elogio épico, que abrilhantava o objeto, ou figura, representados: foi uma crítica indireta, ou neocrítica primária, à guerra e à bestialidade humana. Se no clássico a forma e a beleza (objeto, ou figura, imitados) iam a Forma e a belo diretamente pelo gosto artístico simplificado, na neocrítica primária a forma foi a Forma e o belo foi a Belo pela alteração do gosto em Gosto: o gosto do gosto pela Arte; e o Gosto do gosto da Estética, da crítica contraditória, pelo contrário. Velasquez foi pintor da corte de Filipe IV de Espanha mas não era considerado artista; Sofonisba Anguissola (1532/1625), dama de companhia da rainha Isabel, foi pintora da corte espanhola mas não era considerada artista: porque em Espanha considerava-se que a pintura vinha da destreza manual, do hábil, enquanto as artes, como a música, o teatro e o canto, vinham da sensibilidade mental. A Pintura era considerada um ofício e não uma arte. Uma avaliação primária da Arte, depois alterada: mas conforme à análise da Arte Moderna em que o hábil, do decorativo, do perfeito e do ornamental, não é Arte: daí que a Estética exigiu a crítica, e a neocrítica primária que evoluiu na arte Moderna para a neocrítica, na fuga ao hábil em direção ao sensível. A arte do hábil, ou do manual, era e é arte, com a sua estética, mas não era e não é Arte, da Estética: porque a Arte é efetivamente mental, sensorial e crítica. Sofonisba Anguissola, italiana, foi do período Maneirista e Barroco; em Espanha era considerada artesã, de ofício: não tinha autoridade para assinar as suas obras. Muitos dos seus quadros foram atribuídos a pintores como Van Dick, Il Bronzino, Francisco de Zurbarán, El Greco e Leonardo da Vinci: o que mostra que os grandes artistas clássicos não se diferenciavam tanto pelo Belo mas mais pelo estatuto mediático que atingiam. Dois exemplos disso são Johannes Vermmeer (1632/1675) e Vincent Van Gogh (1853/1890) que nasceram pobres, viveram pobres e os seus quadros valorizaram-se exponencialmente depois a favor dos outros, os mercadores da Arte. A ousadia e a mancha negra críticas de Velasquez e de Goya foram aproximações ao moderno da Arte. A neocrítica primária de Goya foi uma antecipação à neocrítica expressionista de O Grito, em 1893, de Edvard Munch. A crítica ao eleito e ao mediático a desfavor da Arte foi, implicitamente na separação do que é Arte do que não é Arte, da Estética de Baumgarten, de 1750, e é da minha Estética, de 2025: porque hoje permanece, a favor das elites, a falsificação na avaliação da Arte e na mediatização do Artista.
Em 1868 Edouard Manet pintou A Execução de Maximilliano. Em 1937 Pablo Picasso pintou Guernica, em1944/45 A Casa Cemitério; e em 1951 Massacre na Coreia. Massacre na Coreia é uma negação extraordinária dos crimes de guerra e da guerra: as vítimas, mulheres e crianças, estão nuas; as crianças estão desesperadamente agarradas às mães; as caras cúbicas das mulheres, símbolos da simplicidade e do afeto opostos à violência, refletem um sofrimento atroz na frente do pelotão de fuzilamento: numa crítica indireta, A Execução de Maximiliano, de Manet, e Massacre na Coreia, de Picasso, completam uma linha vinda de Os Fuzilamentos do 3 de Maio de 1808 de Goya: seguem o mesmo padrão descritivo e crítico. E negam a guerra: a essência artística, fixada sensitivamente pelo Dadaísmo, de 1916. Ao negar a guerra, sendo a guerra uma alteração humana, defenderam o natural contra o artificial. Velasquez ao minimizar o rei e a infanta, não a baixando ao patamar das duas meninas de companhia mas pondo as três no patamar livre, de Rousseau, em que nasceram, nega indiretamente o artificial da corte, e da distinção humana, a favor do naturalismo iluminista. A denúncia da escravatura do Navio Negreiro, de Turner, foi uma negação indireta da desigualdade arbitrária, artificial, a favor da igualdade humanista, próxima da lei natural. Os céus de Turner foram elogios à grandeza da Natureza sobre a fragilidade humana: e anteciparam, na crítica anterior à neocrítica, o céu de O Grito, de Munch. Os bosques de John Constable trazem a Natureza para o primeiro plano quando antes se ficavam pelo plano de fundo: e também aí, sem vestígio humano, a Pintura critica indiretamente o homem artificial. A crítica indireta (ou neocrítica primária, entre a crítica e a neocrítica) crescente de Velasquez para Turner, Delacroix, Goya e Constable, centrada no elogio do natural contra o artificial, determinou o ponto 9 da Estética quando, em 1848, os pintores de Barbizon sairam para o Bosque de Fontainebleau pintando-o diretamente. O ponto 9 da estética deu-se porque a neocrítica primária, como crítica específica da Arte, e a crítica ao artificial, dispersos anteriormente convergiram, ou unificaram-se, em 1848 num movimento, o primeiro da Arte Moderna: a Escola de Barbizon. (P9)
Verbalmente, ou pela escrita, o homem manifesta diretamente o Não à guerra! e o Não ao artificial! Ambos os gritos podem ampliar-se pelas palavras nos discursos e na literatura. Mas na Arte o expressionismo não é direto, não é descritivo, como na oralidade e na escrita: ele é sintético. Pela sintetização da Arte contra a ampliação descritiva das outras artes houve que negar a violência pela amostragem exacerbada da violência: foi isso que fez pela primeira vez Francisco de Goya. Os Fuzilamentos do 3 de Maio foram a primeira manifestação crítica contra a guerra; A Execução de Maximiliano, de Manet, foi a segunda manifestação crítica contra a guerra; O Grito, de Edvard Munch, foi a terceira manifestação crítica, pela neocrítica declarada na máscara, anti-natural, ou artificial, contra a alienação humana. E o Não à guerra! e o Não ao artificial! firmaram-se decididamente na Arte pelo Expressionismo Alemão seguinte a 1920. A raiz do Expressionismo Abstrato, depois do abstracionismo romântico do homem com a Natureza, de Turner e de Constable, veio do Romantismo e do quadro diabólico de Francisco de Goya, de 1808. O fuzilamento de inocentes é simplesmente diabólico: a observação artística tem de olhar Os Fuzilamentos do 3 de maio, A Execução de Maximiliano e o Massacre na Coreia com o ver acima do olhar, da neocrítica sobre a crítica primária e a crítica, da observação dadaísta de Marcel Duchamp, de 1917: pelo que o impulso duchampiano, da Estética sobre a Arte, também tem a sua raiz no romantismo de Goya.
Na maioria das
transições o salto foi positivo no andamento social e artístico. Mas nem sempre
foi assim: no caso do Neoclassicismo o sentido foi regressivo: contudo o que
delineou a linha da Estética foi o
sucesso evolutivo do conjunto. Um sucesso equivalente ao que vai acontecer no
andamento da Arte Moderna por cerca de 187 transformações artísticas, umas
regressivas, outras neutras e outras progressivas, até ao presente.
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